sábado, 8 de novembro de 2008

As Lajes e o poder aeroespacial dos EUA

Deixo aqui um artigo no nosso conterrâneo Miguel Monjardino,de 28 de Janeiro de 2008 no jornal Expresso

A Força Aérea dos EUA (USAF) acaba de fazer 60 anos. Durante as primeiras quatro décadas e meia da sua história, este ramo das Forças Armadas americanas fez tudo o que era possível do ponto de vista humano e tecnológico para conseguir a superioridade aérea em todas as guerras em que esteve envolvido. Nos últimos 15 anos, o objectivo da USAF tem sido ainda mais ambicioso - conquistar e manter o domínio aeroespacial em situações de guerra e paz.

Se olharmos para as duas últimas décadas vemos que este domínio tem sido total desde 1990. De então para cá, uma série de importantes inovações ao nível da precisão e do comando e controlo permitiram à USAF, ao Exército e Fuzileiros norte-americanos transformar profundamente a concepção e execução das operações aéreas e terrestres. A actual supremacia militar dos EUA depende em parte deste novo poder aeroespacial. Este poder, é verdade, não garante a vitória política. Garante, todavia, que Washington tem à sua disposição um instrumento estratégico com que a maior parte dos decisores políticos nas outras capitais apenas pode sonhar.

Portugal nunca foi indiferente para a USAF. A Base das Lajes nos Açores explica porquê. Durante a Guerra Fria, a base foi importante para a defesa avançada dos EUA, controlo aeronaval no Atlântico, missões nucleares do Strategic Air Command e apoio à projecção do poder militar americano na Europa Ocidental e Médio Oriente. Nos últimos anos, a base acolheu a Cimeira do Atlântico entre George W. Bush, Tony Blair, José María Aznar e José Manuel Durão Barroso e tem apoiado a mobilidade estratégica dos EUA em direcção ao Iraque e Afeganistão.

Para um país com dificuldade em transformar a maneira como se relaciona com os EUA, as Lajes continuam a ser o trunfo geoestratégico que tem permitido a Lisboa lutar acima do seu peso em Washington. Será que esta situação se vai manter nos próximos 15, 20 anos? A resposta, como é costume, nestas coisas não depende exclusivamente de Lisboa. Depende do interesse da USAF. Uma série de acontecimentos recentes mostram que Lisboa e Washington estão profundamente envolvidas numa discreta negociação que poderá vir a alterar substancialmente a missão que as Lajes têm desempenhado nas últimas décadas.

No coração desta negociação está a ideia de transformar as Lajes numa base de treino para os aviões e novas plataformas da USAF estacionados na Europa e nos EUA. Os aliados da NATO também podem vir a participar nestes treinos. Em Novembro passado, pouco antes de passar à reserva, o general William Hobbins, comandante da Força Aérea americana na Europa, argumentou que as Lajes eram um excelente local para treinos do F-35 Lightning e de outros sistemas de armamento como mísseis hipersónicos. O F-35 ainda está em desenvolvimento mas, juntamente com o novo F-22 Raptor, promete garantir à USAF e aos seus aliados o domínio aeroespacial nas próximas décadas.

O problema com os chamados 'caças de quinta geração' tem a ver com sua velocidade e sistemas de armamento. O treino a velocidades supersónicas e o uso de armamento muito sofisticado exige espaços enormes e pouco habitados. Hoje em dia é muito difícil arranjar espaços com estas características na Europa. No que toca aos EUA, a base aérea de Nellis no Nevada, tem sido até agora uma boa opção para o treino de pilotos e caças. Mesmo assim, o treino dos F-22 e F-35 terá alguns constrangimentos em Nellis. Do ponto de vista da USAF, as Lajes são uma hipótese muito interessante. A capacidade logística e de estacionamento da base é enorme. A temperatura do Atlântico e as capacidades dos novos helicópteros da Força Aérea Portuguesa garantem missões de busca e salvamento durante quase todo o ano. Havendo interesse por parte de Lisboa, o espaço disponível para treinos é enorme. Tudo parece indicar que as Lajes vão continuar associadas ao poder aeroespacial dos EUA.

O último discurso

George W. Bush fará o seu último discurso sobre o estado da União na próxima segunda-feira. É pouco provável que o primeiro parágrafo do seu discurso seja parecido com o célebre parágrafo do seu antecessor Harry Truman em 1949: "Estou contente por relatar a este 81º Congresso que o estado da União é bom. A nossa Nação está mais habilitada do que nunca para ir ao encontro das necessidades do povo americano e para lhe dar uma oportunidade decente na busca da felicidade. Esta grande República é a primeira entre as nações na busca pela paz". As sondagens internacionais mostram que não é fácil associar George W. Bush a estas palavras. Parte do problema tem a ver com as opções políticas da primeira administração W. Bush. A outra parte está relacionada com o preço a pagar pelo poder e liderança. Da Pérsia à Inglaterra, passando por Atenas, Esparta e Roma, a história não regista muitas potências hegemónicas populares.

Dizem-me que o mundo espera ansiosamente pelo fim da administração W. Bush. Dizem-me também que o mundo quer a América de volta. Dizem-me que com um presidente democrata o mundo ficará mais seguro. O problema aqui é que a maior parte das pessoas tem uma opinião exagerada sobre o poder e influência do presidente dos EUA. O Senado, a Câmara dos Representantes, o Supremo Tribunal e a poderosa burocracia governamental não existem nos nossos debates sobre Washington. Por esclarecer, fica também saber quem é a melhor pessoa para liderar os EUA a partir de Janeiro de 2009. Digamos que o mundo está bastante dividido neste capítulo. Nos gabinetes ministeriais europeus toda a gente reza silenciosamente uma nova oração política - a oração pelo regresso dos Clinton à Casa Branca. África e uma parte substancial do mundo muçulmano ficaria extremamente contente com a eleição de Barack Hussein Obama. Nova Deli e Pequim nunca se deram bem com presidentes democratas e preferem claramente alguém com a história e a experiência de John McCain. O final anunciado da administração W. Bush esconde grandes divergências e expectativas políticas.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Seguidores